A eleição dos adjetivos, aspas e sentimentos regados a ódio

A eleição encerrada ontem será daquelas a se comentar ao longo dos próximos vários anos. Por várias razões simbólicas, dentre elas o contraditório fato de ter sido vencida por uma Dilma mais a esquerda poucos dias depois de o país ter escolhido um Congresso mais a direita. Mas as razões dessa e de outras contradições certamente encontrarão explicação bem antes deste outubro.

Há doze anos o Brasil começou um processo lento de mudança. Melhorou significativamente a distribuição de renda, combateu fortemente a miséria e a fome, gerou empregos e aumento a renda da maioria dos trabalhadores. Tudo isso acabou mudando pra melhor a vida das pessoas da porta de suas casas pra dentro. O problema é que da porta pra fora as coisas continuaram difíceis, como com os problemas de mobilidade, saúde e educação.

A melhora na qualidade de vida dentro das casas desse povo não evitou o crescimento progressivo da insatisfação frente a qualidade dos serviços públicos e aí vieram as manifestações do ano passado. Esse talvez tenha sido o momento mais importante do país nas últimas décadas. Pelo campo popular, tais manifestações fizeram brotar a semente de demandas reais, como programas consistentes e reformas essenciais, como a política.

O problema é que pelo campo conservador a semente recolhida de tais manifestações foi muito menos nobre. A direita entendeu que o ódio percebido naquela população que ia às ruas poderia ser canalizado. E assim o fizeram, usaram sua principal militância, qual seja, os grandes veículos de comunicação, para fazer esse ódio caminhar em direção ao PT. Em parte isso deu certo, muita gente boa do PT foi abatida e ficou pelo caminho.

Se pararmos para avaliar, nem na eleição de 2006, permeada pelas denúncias do mensalão, o ódio contra os petistas foi tão profundo. Isso não é espontâneo. Isso nasceu, cresceu e foi alimentado conscientemente pela direita por meio de seus instrumentos. Senão, vejamos se há algum grau de racionalidade nisso analisando algumas das pérolas constantemente lidas entre aspas ou por meio de adjetivos:

. A “burrice” do eleitor brasileiro: as mesmas pessoas que reelegeram um governador responsável pelo desabastecimento irresponsável de água na região metropolitana de São Paulo, que mantém uma educação falida com a famigerada aprovação automática, que faz acordo com o PCC pra evitar rebeliões, que mantém um modelo de concessão de estradas responsável pelas maiores tarifas de pedágio do mundo, essas mesmas pessoas que deram a essa turma a possibilidade de governar o estado pela sexta vez consecutiva chama os eleitores de Dilma de burros e desinformados. E o próprio FHC é quem reitera isso. Pode? Pois é, aqui em São Paulo pode.

. O Bolsa Família e as eleições no Nordeste: o nível de desinformação do pessoal do sul maravilha em relação ao Nordeste brasileiro é assustador. Talvez só não seja maior que o preconceito alimentado por essa ignorância. Pra ficar em poucas palavras e nem me alongar por aqui, apenas vale ressaltar que o ritmo de crescimento da economia naquela região tem sido quatro ou cinco vezes maior que a do restante do país. Entre 2002 e hoje a quantidade de vagas de emprego com carteira assinada quase dobrou por lá. Há em curso um importante processo de industrialização e desenvolvimento ancorado em obras de infraestrutura essenciais, como as que tem garantido água por lá. É tudo isso o que tem garantido as vitórias do PT por lá. O Bolsa Família apenas se soma ao conjunto de ações na região, atendendo aquela parcela ainda não beneficiada com o desenvolvimento nordestino.

. O Brasil vive uma “ditadura”, ou estamos virando uma “Cuba” ou “Venezuela”: aí chegamos ao auge da estupidez. Representantes de uma mesma classe social governaram este país por 500 anos e por termos um governo liderado por um partido de trabalhadores há 12, há quem se julgue habilitado a chamar isso de ditadura. Esses mesmos, insisto, reelegem tucanos em São Paulo há vinte anos, mas não toleram o PT por menos. Talvez seja uma ditadura as avessas, onde a imprensa chapa branca dá lugar a uma outra, de caráter golpista, como no caso da Veja da véspera da eleição. Não dá pra desenvolver muito essa pérola da “ditadura Brasicubana”, tamanha a barbaridade da estória. Façamos assim, se alguém me apontar elementos razoáveis de violação aos direitos a liberdade, informação, expressão, manifestação, produção intelectual, cerceamento do voto, enfim, se alguém tiver algo minimamente razoável a dizer, aí me disponho a responder.

. Os PeTralhas e a corrupção: é inacreditável que as pessoas que fazem esse coro não tenham sequer o trabalho de racionar a respeito. Seria difícil demais perceber o quanto qualquer denúncia feita contra petistas toma proporções de escândalo e julgamento público (de opinião) sumário e quanto, na direção inversa, se protege e blinda os governos do PSDB quanto a esse assunto? E eu é que sou chamado de burro por essa turma.

É óbvio que o combate a corrupção tem que seguir por outros caminhos que não o da execração pública. Reforma política, legislação rígida contra corruptores, pra além dos que se deixam corromper, autonomia para investigação, enfim, há muito sendo feito e muito mais ainda por fazer, mas achar que o PT é essa organização criminosa é mesmo de se lamentar.

E afinal por que então parte dos que não votaram em Dilma continuam carregando tanto preconceito e violência em seus comentários? Bem, é porque esses, dentre outros, são os filhos pródigos do ódio. Aécio galgou sua campanha no antipetismo. Era essa sua principal bandeira: “libertar o Brasil do PT”. Não importa se seu programa econômico nitidamente causaria desemprego e conteria o ganho salarial dos trabalhadores, em nome da ética e da moral era preciso vencer o PT.

Respeito quem seguiu por esse caminho, até porquê não vivemos numa ditadura “brasicubana”. Mas lamento que o precioso momento eleitoral, que poderia ter sido utilizado para o bom debate de projetos, tenha se transformado nessa rinha. E o pior, com o cara que montou o cenário atuando insistentemente como vítima. É de se lamentar.

Encerro dizendo que tenho plena consciência de que viveremos um período difícil. O Congresso eleito é conservador e a economia mundial não vai acordar nesta segunda com um humor completamente novo. Contudo, estou tranquilo em saber que o Brasil escolheu olhar pra frente, não retroceder e continuar na caminhada por um país mais justo.

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Enfim, as razões de meu voto em Dilma

Milito há muitos anos. Entre movimentos e militância partidária, lá se vão vinte e três ou vinte quatro anos dos meus quase trinta e oito de vida. Já nem tenho mais muita memória da época em que minha vida era dissociada das lutas. Mas nenhuma eleição tem sido tão simbólica pra mim quanto esta, que se encerra no domingo.
Antes de mais nada quero reafirmar aqui as razões pelas quais voto e recomendo o voto em Dilma. No final das contas o centro da questão continua sendo, como sempre foi, a economia do país. É a opção pelo caminho da economia quem dita todo o resto e aí o modelo defendido pela petista é bastante diferente do defendido pelo tucano.
Este não é um texto onde se pretenda uma profunda análise econômica, mas não poderia deixar de mencionar a loucura maior dessa história. É que boa parte desse imenso exército que se formou de antipetistas, é justamente composta pelos maiores beneficiados pela política econômica dos governos petistas.
Veja só, a receita dos tucanos para qualquer resfriado ou gripezinha é a fórmula padrão do FMI, qual seja, elevação das taxas de juros, diminuição do crédito e busca de recursos internacionais por meio de empréstimos pra cobrir os buracos deixados pela queda do consumo no país. Sim, essa política gera desemprego, diminui o tamanho do mercado interno e segura salário e renda, por isso contém a inflação. Se poucos tem algum dinheiro para consumir, então, por óbvio a lei da oferta e procura vai derrubar a inflação.
Quem dança com esse modelo? Ora, a princípio os trabalhadores comuns, assalariados. Depois, virão os pequenos comerciantes e prestadores de serviço, até que a situação atinge uma boa parte da classe média.
A política econômica dos governos petistas é a tal desenvolvimentista, que segue por caminho diverso. Ao invés de provocar a redução do consumo, segue exatamente para o outro lado, o de criar um imenso mercado de consumo interno. É esse mercado, regado com oferta ampla de crédito, financiamentos e obras estruturantes que geram muito emprego, que permite fazer girar a roda da economia em épocas de crise do capitalismo, como a que vivemos.
É interessante ver que essa massa consumidora mantém vivos os pequenos comércios, o setor de serviços e tudo o mais. E é justamente desse pessoal que vinha acontecendo a maior gritaria anti-PT, o que, ao que parece, foi revertido nesses últimos dias.
Pra ser mais claro em termos práticos sobre o que essa política significa, pego o caso do Nordeste brasileiro. A estupidez de quem afirma que nordestino vota no PT por causa do bolsa família só não é maior que a capacidade de desenvolvimento daquela região. Com essa política, o Nordeste saltou de 4,8 mi de trabalhadores com carteira assinada em 2002, para 8,9 mi em 2013. A economia na região no primeiro trimestre deste ano cresceu 2,55%, enquanto que no resto do Brasil cresceu 0,6%. Por que? Porque lá havia condições concretas para incluir no mercado consumidor milhões de famílias. E ainda assim há quem ache que tudo por lá gira em torno do Bolsa Família.
Essa política econômica aliada aos programas sociais que protegeram quem não conseguiu se beneficiar do bom momento do país fizeram verdadeiras revoluções. Exemplo maior é a saída do Brasil do chamado mapa da fome.
Explico melhor, há muitos anos a ONU criou o tal mapa da fome. Em 2002 o Brasil aparecia nesse mapa, pois pouco mais de 10% de sua população reconhecidamente passava fome. Este ano, pela primeira vez em nossa história, o país deixou de figurar nesse mapa. Para a ONU, quando o percentual de pessoas em situação de fome é reduzido para menos de 5%, já é hora de tirar o lugar do mapa, ou seja, é hora de se reconhecer que vencemos a fome. Confesso, aqui reside meu maior orgulho em participar desse projeto. E participo como cidadão, militante. Nunca tive e nem ambiciono ter algum cargo no governo federal.
Por fim, quero dizer aos que aderiram ao antipetismo em razão das sucessivas denúncias de corrupção que também tenho tranquilidade quanto a isso. Tenho muita clareza de que sob esse tema não se trata de apontar o dedo para o partido “a” ou “b”. Trata-se de perceber que é nosso modelo político-eleitoral que é corrupto. É isso que tem que ser combatido. É preciso mudar profundamente as formas de financiamento de campanhas, a lógica e o método das emendas parlamentares e modernizar a lei de licitações e contratos do poder público. Sem essas medidas, governo pode entrar, governo pode sair e tudo haverá de continuar exatamente como antes. Ainda digo com certeza que no governo petista ao menos as denúncias são apuradas, nos do PSDB são solenemente engavetadas.
Sei também que no campo dos serviços públicos o Brasil precisa avançar muito, mas também sei que isso responsabilidade dos governos municipais e estaduais, além do Federal. Então porque quem votou na eleição ou reeleição de atuais prefeitos e governadores miram tanto na qualidade dos serviços federais? Porque é para isso que somos adestrados, pra acreditar que todo o mal do mundo é vermelho e que do lado tucano só há bondade e ternura.
Enfim, respeito as opiniões diversas, mas queria deixar aqui, antes do segundo turno, algumas das razões pelas quais voto e recomendo o voto em Dilma neste domingo.
Bom voto pra todos nós e que tenhamos um Brasil mais justo e fraterno.

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Sobre o clima eleitoral

Ando profundamente decepcionado. Por conta da política, dos projetos e do entendimento que tenho sobre o futuro. Não é de resultados eleitorais propriamente que estou falando, é de decepção com tanta gente que conheço e que depois de muitos anos vejo nelas aflorar valores que nunca havia percebido. Valores, ao meu modesto ver, ruins. Ruins para o ser humano, não para a política.
Tenho amigos tucanos há muito tempo, outros tantos petistas como eu, além da grande maioria que prefere não se definir, escolhe a cada eleição ou a cada época que lado seguir. Deixo claro que meu respeito e amizade por essas pessoas nunca mudou em razão dessas suas preferências, afinal, viva a democracia e as liberdades, todas elas.
Mas parece que agora um outro gigante adormecido resolveu acordar e dar as caras. Aquele, do ano passado, mostrou que o modelo político eleitoral do Brasil está podre, que é preciso mudá-lo porque uma grande parte da população já não consegue mais se ver representada pelos que aí estão. O do ano passado acordou e trouxe uma boa mensagem, o de agora acordou mal humorado pra cacete e, como todo mal humorado, aproveita o surto pra deixar aflorar todos seus rancores e preconceitos.
Só pode ser o surto do mal humor. Em sã consciência alguém pode mesmo acreditar que esse ódio frente ao PT é algo espontâneo. Que todos nós petistas somos bandidos e quadrilheiros, que o Brasil nunca esteve pior e que inventamos a corrupção? É sério? Você para, raciocina e conclui sobriamente que somos tudo isso? Acredita mesmo que as famílias que recebem bolsa família são as responsáveis pelos votos no PT? Sugiro que conheça um pouco mais a respeito, aliás, sugiro que conheça um pouco mais sobre a vida, sobre as durezas da miséria, antes de brincar com a maior das desgraças que uma população pode sofrer, a fome. Destila ódio contra a população nordestina por acreditar serem eles os responsáveis pelo sucesso do PT? Esclareço que Minas Gerais, por exemplo, não está localizado no Nordeste brasileiro e que foi lá, justamente lá onde a população mais conhece Aécio, é que o PT obteve uma de suas maiores vitórias. Sobre isso, também é bom dizer que não há na história do mundo episódio em que conclusões precipitadas como essa tenham levado a algo diferente da proliferação do ódio e do preconceito.
Tenho muitas e muitas críticas aos governos do PT. Em parte, relevo por entender que o modelo político eleitoral brasileiro nos impõe barreiras intransponíveis. De resto, faço a crítica e busco nas lutas com os movimentos com os quais me relaciono um caminho para que esses erros sejam corrigidos. E é evidente que também não estou contente e satisfeito com tudo o que está por aí. Mas tenho consciência do que significará para o Brasil a volta de um governo com a política econômica defendida por Aécio.
Sei que muita gente confunde o fato de o governo Lula não ter mexido na moeda brasileira, com supostamente não ter mudado a política econômica do país. Confusão natural em um país que estava acostumado a mudar de moeda a cada vez que mudava de governo. Mas o modelo econômico defendido publicamente pelo eventual ministro da Fazenda de Aécio, Armínio Fraga, é um ataque inaceitável as conquistas dos últimos anos. Pra que aquele modelo funcione, precisam desaquecer a economia e não há outras fórmulas novas pra isso, senão as já conhecidas: aumento de juros, restrição de crédito para segurar o consumo, arrocho salarial com a mesma finalidade, etc. O resultado é desemprego e aí, com uma diminuição expressiva do consumo, é óbvio que a inflação cai, é a lei da oferta e procura. Mas a que preço? Um preço que por certo não atinge os mais ricos, mas que pega em cheio os mais pobres num primeiro momento e em seguida a classe média.
A política econômica dos governos petistas foi exatamente oposta a essa. Criou-se um imenso mercado consumidor a partir da instituição de uma política de recuperação e aumento de salários, da oferta de crédito, de programas que geraram empregos diretos aos milhões, como o PAC e o Minha Casa Minha Vida e do próprio Bolsa Família, que não é uma esmola, como quem não conhece diz, mas que é uma ferramenta de resgate da dignidade (que aliás tirou o Brasil do vergonhoso mapa da fome, onde estava desde sempre) e que tem a importantíssima missão de incrementar a economia, sobretudo em localidades pequenas.
Mas se você não concorda com nenhuma dessas virtudes das políticas dos governos do PT, tudo bem. Mantenho o respeito que tenho aos meus amigos, mesmo com pensamentos diferentes. Só não topo as postagens preconceituosas e sem fundamento como as que tenho visto.
E sobre a corrupção, quero deixar bem claro que a abomino tanto quanto muitos dos que vejo acusando o PT de ser uma quadrilha. Talvez mais que muitos desses, porque abomino e não pratico nenhum tipo de corrupção, nem das mais simples, como estacionar em local proibido, dar um troco pra conseguir alguma vantagem ou pedir um favorzinho pro amigo que trabalha na repartição pública pra que role aquela “forcinha”.
A cada vez que vejo alguma denúncia de corrupção onde haja um petista envolvido, lamento e sinto muito, mas torço pra que, sendo apurada e constatada a irregularidade, o corrupto pague pelo que fez.
E continuo com a cabeça erguida e certo que das opções postas nestas eleições, não há outra melhor que a reeleição de Dilma. Isso pode até não acontecer, mas estarei em paz com minhas convicções, saberei que não me deixei guiar por oba oba algum, mas que li e entendi as propostas dos candidatos e fiz uma opção consciente sem faltar com o respeito aqueles que tiraram outras conclusões.
Hoje, tenho consciência que em determinados momentos a corda acaba arrebentando. Quando isso acontece, alguém sempre acaba tendo que pagar o preço. Não sou beneficiário do Bolsa Família, nem integro a lista de beneficiários de nenhum programa social, mas tenho amigos e conheço muita gente que sim. Se a corda tiver que arrebentar e alguém tiver que pagar o preço, que não sejam os mais pobres, que não sejam os mais vulneráveis.
Abraços e me desculpem o desabafo.

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A Revisão do Plano Diretor – Votá-la agora interessa a quem?

Tramita na Câmara de Sorocaba Projeto de Lei que dispõe sobre a revisão do Plano Diretor do Município. Trata-se de um dos temas mais importantes e caros a uma cidade e por isso mesmo exige um profundo exercício de debates e ajustes, uma vez que é ele quem desenhará o crescimento da cidade pelos próximos dez anos.
Estou certo de que a proposta de revisão traz consigo importantes avanços. No entanto, carrega também questões tratadas de forma superficial e outras ainda de forma, ao meu ver, inadequada. O que é certo, é que o projeto precisa ser melhor debatido.
Em uma explicação livre e simplificada, pode-se dizer que é o Plano Diretor quem direciona o crescimento da cidade por ser ele quem define o que se pode e o que não se pode construir ou instalar em cada rua, bairro ou região da cidade. Diz onde só pode haver residências, onde devem se instalar indústrias, comércios, áreas a serem preservadas, altura de construções, zona rural, etc.
E como se trata de um projeto de revisão do plano aprovado em 2007, as primeiras perguntas a serem feitas são exatamente as seguintes: A cidade precisa mesmo liberar novas regiões para que sejam ocupadas por loteamentos, ou seja, as propriedades não edificadas em Sorocaba não dão conta da demanda que teremos nos próximos dez anos? Quantos são esses lotes não edificados e a que propósito eles têm servido?
Sem respostas seguras a essas perguntas, não há razão para que alguns dos pontos da revisão proposta sejam levados adiante. Por exemplo, as regiões Oeste e Leste da cidade sofrerão profundas alterações se o projeto for aprovado tal como chegou ao legislativo. Extensas áreas hoje tidas como pertencentes a Zona Rural ou destinada a chácaras urbanas serão transformadas em Zonas Residências, podendo ser parceladas em lotes de 200m². Isso significaria a aprovação de um número imenso de novos bairros e empreendimentos, sem, contudo, que haja clareza quanto aos investimentos em infraestrutura que atendam o consequente aumento de demanda por transporte, saúde, educação, saneamento, etc.
E volto às perguntas: será mesmo necessária essa expansão? Os dados de crescimento demográfico da cidade apontam essa necessidade? Os lotes desocupados nos bairros já consolidados não dariam conta da demanda se houvesse uma política que estimulasse sua ocupação, em lugar do favorecimento à especulação imobiliária?
Não creio que seja razoável que o Legislativo paute referido projeto para votação imediatamente. Algumas audiências foram realizadas, mas em formato e horários incompatíveis com a proposta de ampliação e democratização deste debate. Pra ser levada a sério, a proposta de revisão deveria em verdade ser submetida a uma Conferência da Cidade, ampla, democrática e que permitisse o aprofundamento da discussão pra muito além dos interesses do mercado imobiliário.
Além das questões acima expostas e não respondidas pelas autoridades municipais, há uma série de outras questões que precisam ser abordadas corretamente no projeto. Por exemplo, o capítulo que trata dos instrumentos do Plano Diretor e que podem ser utilizados para estimular ou induzir a ocupação de determinadas áreas, tais como o IPTU progressivo, a outorga onerosa do direito de construir, as operações consorciadas, dentre outros, é absolutamente superficial. Diz sempre que a Prefeitura “poderá”, nunca como e nem quando. Aliás, creio que a redação correta deveria substituir o “poderá” pelo “deverá”.
A diminuição do tamanho das chácaras urbanas, a ausência de planos que deveriam ser aprovados antes ou ao mesmo tempo que o plano diretor, tais como Plano de Resíduos e o de Mobilidade Urbana, a incerteza quanto a aprovação de tantos outros pontos do projeto, tudo isso me leva a convicção de que a proposta ainda não está madura para deliberação. É preciso de tempo, dedicação e uma boa dose de democracia para que a mesma possa avançar.
Em 2005, no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre, foi aprovada a redação final da Carta Mundial do Direito à Cidade. Tal texto começou a ser elaborado em outra edição do Fórum, em 2001, e foi amplamente debatido em 2004, no Fórum Mundial Urbano (Barcelona). E na mesma oportunidade o então Ministro das Cidades Olívio Dutra anunciou que o Brasil seria signatário do referido documento. Assim, nossos Planos Diretores deveriam pautar-se pelos vinte e um artigos da mencionada carta. Em breve leitura é possível perceber o quanto estamos distantes disso.
Trabalhemos para que o debate continue, se aprofunde e caminhe ao encontro de princípios e diretrizes que nos proporcionem um desenvolvimento sustentável, para todos e todas e que seja justo. Não a votação prematura do projeto de revisão do Plano Diretor de Sorocaba!

Paulo Henrique Soranz
Advogado e Secretário de Formação Política do PT Sorocaba

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O nascimento do nosso Francisco

A princípio a ideia, minha e da Rita, era de que esse vídeo fosse algo só nosso. Pra mostrarmos ao Francisco no futuro.
Mas ficou tão lindo e inspirador, que decidimos torná-lo público na esperança de que seja mais uma gota d’água nesse oceano que queremos ajudar a encher.
Domiciliares ou hospitalares, o que importa mesmo é que os partos no Brasil se transformem, que sejam feitos com o devido respeito a quem chega. Com amor e reverência a vida.

Sobre campanhas e linchamentos – Eleições 2014, minha opinião

Confesso que ando com o espírito muito menos disposto a esse “MMA” da política que viraram as discussões em redes sociais sobre as eleições deste ano. Sim, brigas de torcida parecem mais respeitosas.

Provavelmente tenha sido o nascimento de meu filho, Francisco, que tenha me deixado assim. Ando olhando mais pra outros lados, prestando mais atenção na vida toda a minha volta.

Mas que é difícil ficar quieto diante de tanta leitura tendenciosa, rasa ou ingênua de determinados casos, ah isso é. É que respeito muito a opinião diversa a minha, mas tenho visto tanta gente que considero esclarecida caindo na maré do senso comum, do discurso de que tudo é culpa do PT e blá, blá, blá.

Exceção àqueles que de fato tem críticas e divergências quanto ao modelo de gestão dos governo liderados pelo PT, e com esses o debate é sempre produtivo e bom, há um imenso exército reproduzindo o que parte da grande mídia rege.

Então, pra não dizer que não falei das flores, vou voltar a deixar por aqui opiniões sobre determinados pontos de vista que tenho. Assim não incomodo aquel@s que não estiverem dispostos a discussão política e deixo devidamente registrada minha opinião sobre tais assuntos.

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1 – A culpa de tudo e todos é do PT! Será mesmo?

Já reparou como existe uma onda de antipetismo? Ninguém que seja ao menos crescidinho pode mesmo achar que isso é um movimento espontâneo e que varrendo essa turma vermelha e barbuda da face da Terra, ou, como diria o mártir da direita ressentida, o senador Bornhalsen, “acabando com essa raça”, o mundo seria mais limpo e cheiroso.

O movimento é orquestrado justamente porque jogar a culpa de todo e qualquer problema em desvios éticos e morais é tudo o que um grupo político que não tem nada a dizer sob o aspecto programático pode fazer.

Depois, há também um problema posto às oposições aos governos liderados pelo PT, se não apontam novas propostas, também não vale resgatar a memória da época em que governavam o Brasil, porque esse período é pior sob todos os aspectos, inclusive os da ética e da moral.

O fato é que a questão central não é o PT, ou o PSDB ou, sei lá, o PRTB (do cara do aerotrem). A questão central é o modelo eleitoral brasileiro e suas esquisitices.

Por aqui, uma empreiteira que tem todo o interesse em obras públicas pode doar para qualquer candidato. Um sindicato, que tem bandeiras de defesa dos direitos de seus trabalhadores, por exemplo, não.

Nossas campanhas são caras, espetaculares, com pouco conteúdo programático e muito poder de marketing. A cara da democracia em que vivemos.

A todo momento nos deparamos com denúncias e escândalos que envolvem alguma empresa que “doou” algo a alguma campanha. Isso é o tempo todo. Essa relação público – privado virou algo deplorável.

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2. Se o PT governa há quase 12 anos, não mudou o modelo eleitoral porque não quis… (como diria Compadre Washington, “sabe de nada, inocente”)

Aí então você vai dizer: -ah, mas o PT governa o país há quase 12 anos, não mudou isso tudo porque não quis, certo? Errado. Aí vai mais uma particularidade de nossa capenga democracia. Por aqui quem elege o chefe do Executivo normalmente não elege maioria no Legislativo. Novamente no caso petista, o partido da Presidenta só alcançou 20% das vagas na Câmara Federal, ou seja, não tem voto pra aprovar nada sozinho e precisa fazer essas complicadas amarrações pra construir um governo de coalisão, onde se misturam água e óleo.

Minha óbvia opinião sobre isso, portanto: 1- Sob o ponto de vista dos governos em si, de programas, projetos e resultados, o do PT continua sendo muito melhor que os outros e essa é a primeira razão pra que eu continue defendendo a continuidade desse projeto; 2 – Antes de mirar na briga de torcidas, que só afasta o torcedor dos estádios, no nosso caso das urnas, daí a enxurrada de votos brancos e nulos da última eleição, é preciso mirar numa reforma política e eleitoral séria, que acabe com o financiamento privado, que proíba coligações proporcionais, que discuta o voto em lista fechada, que aprofunde os mecanismos de democracia direta, como plebiscitos e referendos; 3 – As regras com as quais nós (progressistas) enfrentamos as eleições não foram criadas pelo nosso campo. Foi a direita quem as redigiu. Foi o mesmo pessoal que inventou uma série de leis que olham o tempo todo pra uma forma de levar vantagem. Nós não a inventamos, mas é com base nessas regras que temos sido obrigados a jogar até aqui. E nos dispomos a fazê-lo porque acreditamos que é pela via democrática que podemos integrar milhões de brasileiros a uma sociedade mais justa e solidária, mesmo que isso leve tempo. 

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3. As manifestações do ano passado disseram muito, mas nem todos ouviram!

Há uma evidente cobrança de novos setores da classe média em relação a qualidade dos serviços públicos e dos regulados. Essa galera toda ingressou recentemente no sedutor mundo do consumo. Tiveram a oportunidade, e aqui deixe-se registrado que em governos que seguiam outros modelos isso era simplesmente impossível, de morar e viver melhor.

No entanto, essas mudanças ficaram restritas a parte de dentro de suas casas. Compraram eletrodomésticos, eletrônicos, carros e financiaram suas casas. Mas do lado de fora, a saúde continuou precária, o trânsito, a segurança e a educação pioraram. Os serviços regulados, ou seja, telefonia, internet, saúde privada, etc, ficaram mais caros e também piores. Aí, óbvio, o povo todo se sacudiu.

O raciocínio lógico: – poxa, essa qualidade de vida sempre foi privilégio da classe média, agora que chego nela a coisa desanda… Pois é!

Dilma entendeu. Lançou o Mais Médicos (e isso não é pouco), propôs uma reforma política séria (assassinada pelo Congresso) e botou dinheiro em infra-estrutura urbana. Isso demora um pouco a aparecer, mas aos poucos começará a dar as caras.

A linha de campanha da Presidenta, portanto, está traçada. Mudanças, mesmo que isso provoque reações violentas de setores conservadores, naquilo que se fizer necessário e manutenção e aprofundamento das políticas que tem dado certo. Não tem segredo, nem susto.

O outro lado diz o que? Deliberadamente que não se intimidará em adotar medidas anti-populares para conter a inflação. Vale a tradução disso – como é mesmo que os governos do PSDB “continham” a inflação? 2 regrinhas básicas: 1. Reduzir o consumo. Como? Alta dos juros, diminuição do crédito e consequente geração de desemprego. Com menos dinheiro nas ruas, menos consumo. E está criado o maldito círculo depressivo que segura a inflação. 2. Redução da máquina, também conhecida como privatização do que aparecer pela frente. Aí algum “antenado” vai dizer que se tivessem privatizado a Petrobrás esses escândalos não estariam acontecendo. Novamente dou razão ao Compadre Washington, o rolo da Petrobrás é bem outro, tem a ver com o Pré-Sal, a espionagem norte-americana a Dilma, a mudança do cenário internacional e, em última análise, aos buracos do capitalismo. Sim, em grandes empresas a corrupção não é novidade, acontece na estatais tanto quanto nas privadas. Aí nada mais a ser dito, senão o necessário combate e isso a Polícia Federal está fazendo. Ou não? Aliás, quantas vezes você ouviu falar em operações da PF em empresas ou órgãos públicos no governo FHC. E não venha me dizer que é porque lá não havia aparelhamento ou corrupção, porque senão vou ter que dizer que você devia morar com o Compadre Washington de uma vez por todas pra ouvir aquela frase o dia inteiro.

Nasceu nosso Francisco: relato de um parto domiciliar humanizado

FranciscoAntes de mais nada, deixo claro que a defesa que faço em relação ao assunto deste texto é a de que mães e filhos devem ter o direito ao acesso a um parto humanizado, seja ele domiciliar ou hospitalar. Entendo ser a cesárea um procedimento que salva vidas, mas que tem sido usado de forma desmedida e desnecessária.

Eu e Rita, minha esposa, só fizemos a opção pelo parto domiciliar porque não encontramos nenhuma possibilidade de o Francisco nascer sem intervenções em um ambiente hospitalar, então decidimos por nossa casa.

Foi tudo tão bem, de forma segura e natural, que resolvi compartilhar a experiência no relato que segue, até como forma de estimular outros casais a também questionarem as “linhas de montagem” estabelecidas em nossos hospitais, onde os riscos para os administradores e médicos são mínimos, mas as intervenções são claramente exageradas.

Segue o relato:

Me desculpem o texto longo, mas queria deixar aqui meu relato do parto do nosso Francisco, que chegou a uma da manhã do dia 7 de fevereiro. Antes disso, eu e Rita mergulhamos em 39 semanas transformadoras. Desde que soubemos da gravidez perdi a conta de quantas e quantas vezes ouvimos de amigos que já tinham filhos que agora nossas vidas iriam mudar. Nunca duvidei disso, mas confesso que não imaginava que essa mudança toda acontecesse já no período de gestação e com tanta intensidade exatamente no dia do parto.
Não dá pra escrever tudo o que eu gostaria sobre as 39 semanas, exigiria uma quantidade de linhas que acho que só os muito próximos se interessariam em ler e este texto perderia então o seu propósito. Aliás, só estou escrevendo-o porque precisamos muito desses relatos pra concluir pelo parto domiciliar. Espero que este sirva de estímulo também a outras famílias.
Considero que eu e Rita somos antes de mais nada humanistas. Eu sempre militei de forma racional nisso, em movimentos de Direitos Humanos, etc. Ela sempre teve um espírito humanista. Suas ações, suas intuições, suas emoções sempre mostraram uma clara vocação humanista, mesmo que ela nem desse muita bola pra isso.
E foi por causa desse espírito humanista que antes mesmo de ela engravidar eu acompanhava de longe movimentos que discutiam o parto humanizado. Então, quando ela ficou grávida uma das primeiras coisas que fizemos foi procurar esses grupos de apoio, encontramos o Ishtar e o Parto de Gente, dois grupos que foram fundamentais para o nosso processo de transformação.
Acho que além dos grupos, foi o filme O Renascimento do Parto e a leitura o que construiu nossa convicção. Mas não foi nada fácil.
A medida em que acumulávamos informação iam surgindo os conflitos entre a realidade e nossos medos. A realidade apontava para a verdade de que não conseguiríamos o parto humanizado que sonhávamos se não fosse em casa, mas nossos medos ainda nos empurravam para um hospitalar.
Me lembro que na primeira ou segunda consulta com a obstetra que começou a acompanhar a gravidez, tratamos de falar do nosso desejo pelo parto normal. A médica disse que isso teria que ser conversado mais adiante, por volta da 36ª semana. Aí veríamos se seria possível o normal. Foi a última vez que a vimos, rs.
Trocamos de médico e esse topava bem a conversa, mas aos poucos fomos percebendo que apesar de entender perfeitamente a fisiologia do parto, insistia em lançar mão de alguns recursos que facilitam a vida dos médicos, nem sempre facilitando a das mães e dos bebês. Mesmo assim, fomos com ele até o final do pré-natal.
E no meio de todas as informações que fomos reunindo durante as 39 semanas veio a inevitável crise. Aquele momento de enfrentar a realidade. Fui o primeiro a achar que estava convencido de que o parto domiciliar era o melhor caminho. Só achei ter sido o primeiro, na verdade ainda não estava convencido.
Aí um dia conversando com a Rita sobre as intervenções que seriam feitas no bebê se o parto fosse hospitalar, ela começou a chorar e a dizer que estava com pena do Francisco, tão pequeno, sem ter como se defender e já tendo que passar por tudo isso. Naquele dia percebi que a semente estava plantada, em algum tempo ela estaria firme na ideia do parto domiciliar.
Foi o que aconteceu. E quando ela estava convencida, foi a minha vez de ter de enfrentar meus medos. Principalmente quando o obstetra, e já estamos falando da 34ª ou 35ª semana de gravidez, nos diz que aceitaria fazer o parto da forma como quiséssemos. Que poderíamos levar nossa própria pediatra, nossa doula e que aceitaria fazer o parto sem utilizar o “sorinho” de ocitocina e a anestesia. A oferta era muito tentadora, mas hoje vejo que foi essa proposta o que nos levou definitivamente para o parto domiciliar, porque fui até um hospital para buscar informações sobre essa possibilidade de parto humanizado hospitalar. Tive que entrar no hospital e só precisei disso. Não precisei nem fazer as perguntas que queria pra entender que ali não era lugar de nascer.
A Rita sequer chegou a ir até algum hospital e novamente quem foi fundamental na formação de sua convicção foram os grupos de apoio. Dali ela tirou sua certeza.
Passado esse trajeto todo, fechamos a equipe , aliás a sensacional equipe, que faria o parto e passamos a nos preparar.
Com 39 semanas e 1 dia de gravidez, fomos ao pré-natal sabendo que o médico pediria para fazer o exame de toque. Sabíamos, tínhamos ouvido diversos relatos negativos a respeito e tudo o mais. Mesmo assim confiamos em nossa relação com o médico. A Rita só pediu a ele que só fizesse mesmo o toque. Ele fez o exame e disse que ela já estava com 3cm de dilatação. Depois que terminou disse que havia rompido a membrana… Sim, tínhamos as informações, sabíamos que muitos médicos tomam as decisões por conta própria e que lançam mão de determinados procedimentos de indução sem consultar ninguém. Mesmo assim concordamos que deixaríamos que ele fizesse o exame, e ele foi além do combinado.
Ficamos sem saber muito o que falar. Ele nos disse que a partir daquele momento ela começaria a ter contrações e que fossemos pra casa e aguardássemos por duas horas, se as contrações passassem, que ficássemos tranquilos, do contrário que poderíamos seguir para o hospital. Ficamos putos, revoltados, mas tudo acabou dando certo porque a equipe que nos acompanharia estava a postos e tudo poderia ser resolvido rapidamente caso o quadro evoluísse mesmo para o parto.
As contrações de fato começaram e não pararam naquele dia. Começaram as 19h, fomos pra casa e rapidamente chegou a Gleise, nossa doula. Ela ficou com a Rita até a manhã seguinte acompanhando a evolução das contrações. Claro que não fomos para o hospital. Por volta das 7h essas contrações começaram a se espaçar e então vimos que ainda não era a hora. Dormimos um pouco e perto do meio dia as contrações começaram a ficar mais próximas e fortes novamente. Pouco depois a Rita já não sairia mais da posição em que se colocou por várias horas. Introspectiva, controlava as dores com a respiração e estava claro que a situação evoluía.
Acho que eram 18h ou pouco mais que isso quando chegou a Priscila, que com a Giovana fariam o parto horas depois. Ela já estava monitorando a situação a distância desde o dia anterior e quando chegou foi direto fazer o toque pra ver como estava a dilatação. Estava completa. Chamou o restante da equipe e disse que Francisco estava a caminho.
Em casa, tínhamos montado tudo para que o parto acontecesse na parte de cima do sobrado. Mas no meio do caminho a Rita foi se aninhando na parte de baixo, entre a sala e o banheiro e dali não sairia tão cedo.
O clima era absolutamente diferente do de um hospital. Conversávamos, ríamos. A essa altura a equipe já estava completa, Giovana, Ariane e Andréa também já estavam conosco.
Em alguns momentos o ambiente ficava descontraído, me lembro de forma mais viva de alguns desses momentos, como quando a Rita resolveu tomar banho de mangueira no quintal. Eu sentado conversando na sala e de repente a vejo brincando como criança com a água no quintal, mesmo com alguma expressão de dor. Também teve um outro momento engraçado quando em meio a uma contração forte a Andréa, pediatra que nos acompanhava, disse a ela algo do tipo: “força Rita, o Joaquim está chegando”. Ela respirou, fez a força que deveria, esperou a contração passar, respirou e disse calmamente: é Francisco, começamos a rir e a Andréa disse: percebi logo que falei, mas não dava para voltar atrás e ficar explicando o erro no meio da contração, né?
Também houve momentos muito íntimos. Na verdade, tenho a certeza absoluta de que nunca estive tão conectado a Rita como nesse dia.
A bolsa só se rompeu por volta das 22h e aí veio o período expulsivo que durou mais de três horas. Não tenho a menor ideia de onde a Rita tirou tanta força. Essa mulher abaixava, levantava, parecia exausta, mas não parava. Quando eu dava as mãos a ela para que segurasse durante as contrações ela já não as apertava mais, acho que só tinha energia pra fazer a força necessária para o nascimento, já não gastava mais nada apertando minhas mãos.
Os minutos finais foram no banquinho, colocado então em nossa sala. Sentado no sofá eu a apoiava por trás e dali, abraçado a ela, vi nascer o Francisco. Assim que ouvi o primeiro choro desabei a chorar e quando olhei pra ela achando que também estava chorando, não…, estava rindo, um riso emocionado, de alívio, de alegria, o riso mais lindo que já vi. Francisco chegou com 4kg e 52cm. Esse tamanhão todo não foi suficiente para que fosse necessária qualquer intervenção agressiva, sem anestesia, sem epísio, sem sorinho. Quem trabalhou mesmo foi a Rita, o Francisco e toda a maravilhosa equipe que nos acompanhou.
Francisco ficou em seu colo por mais uns vinte minutos, até que o cordão parasse de pulsar. Quando isso aconteceu me foi dada a lâmina para contá-lo. Em seguida a placenta se soltou e saiu.
Então a Rita foi até o quarto para receber os cuidados de que precisava. Sim, depois de um parto longo ela simplesmente subiu as escadas e foi para o quarto. Fiquei com o Francisco o tempo necessário e logo em seguida o levei a ela, que já levou-o ao peito.
A equipe ainda permaneceria conosco por mais algumas horas. Fizemos uma macarronada por volta das duas da manhã, comemos e toda a assistência necessária a um parto seguro foi dada.
No final, quando todos se preparavam para ir embora perguntei a Dra. Andréa como deveria colocar o bebê para dormir. No berço? Em que posição? Coisas de pais de primeiro filho. Ela riu e disse para dormíssemos eu, Rita e o bebê juntos, na mesma cama. Eu relutei, falei que poderia rolar durante a noite e machuca-lo. Afinal estava exausto, foram quase duas noites em claro. Ela me disse pra ficar tranquilo e entendi que o instinto paterno não me deixaria machucá-lo. Aquilo tudo me fez virar pai muito rapidamente.
Nos despedimos, a equipe toda se foi e ficamos em casa somente nós três numa indescritível conexão. Sobre isso, gostaria de conseguir explicar melhor, de escrever com detalhes, mas não consigo. É impossível explicar esse elo criado entre nós três naquele momento. Só depois me dei conta de que se estivéssemos em um hospital, provavelmente naquele momento a Rita estaria no quarto, Francisco no berçário e eu feito um louco tentando me dividir entre um lado e outro. Aquele momento de conexão não existiria. Pelo menos não naquela noite. Foram horas incrivelmente intensas e que me fizeram instantaneamente um pai.